sexta-feira, 14 de outubro de 2011

ESPECIAL
Improbidade administrativa: desonestidade na gestão dos recursos públicos
 
A Lei 8.429 de 1992, conhecida com Lei de Improbidade Administrativa (LIA), está prestes a completar 20 anos de vigência, mas ainda gera muitas discussões na justiça. É enorme a quantidade de processos que contestam questões básicas, como a classificação de um ato como improbidade e quem responde por esse tipo de conduta. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) começou a julgar processos discutindo dispositivos da LIA em 1996 e, desde então, foram proferidas mais de 8.700 decisões, entre monocráticas e colegiadas.

Os artigos 9º, 10 e 11 da lei trazem extenso rol de atos ímprobos. O artigo 9º trata da improbidade administrativa que gera enriquecimento ilícito e o artigo 10 aborda a modalidade que causa dano ao erário, por ação ou omissão, dolosa ou culposa. Por fim, o artigo 11 traz os atos que violam os princípios da administração pública, como legalidade, moralidade e imparcialidade.

A jurisprudência do STJ consolidou a tese de que é indispensável a existência de dolo nas condutas descritas nos artigos 9º e 11 e ao menos de culpa nas hipóteses do artigo 10, nas quais o dano ao erário precisa ser comprovado. De acordo com o ministro Castro Meira, a conduta culposa ocorre quando o agente não pretende atingir o resultado danoso, mas atua com negligência, imprudência ou imperícia (REsp 1.127.143).

Nos casos do artigo 11, a Primeira Seção unificou a tese de que o elemento subjetivo necessário para caracterizar a improbidade é o dolo genérico, ou seja, a vontade de realizar ato que atente contra os princípios da administração pública. Assim, não é necessária a presença de dolo específico, com a comprovação da intenção do agente (REsp 951.389).

Improbidade x irregularidade

No julgamento do REsp 980.706, o ministro Luiz Fux (atualmente no Supremo Tribunal Federal) lembrou que, de acordo com a jurisprudência do STJ, o elemento subjetivo é essencial para a caracterização da improbidade administrativa, que está associada à noção de desonestidade, de má-fé do agente público. “Somente em hipóteses excepcionais, por força de inequívoca disposição legal, é que se admite a sua configuração por ato culposo (artigo 10 da Lei 8.429)”, ressalvou o ministro.

São autores do recurso três pessoas condenadas em ação civil pública que apurou irregularidades na concessão de duas diárias de viagem, no valor total de R$ 750,00. Seguindo o voto de Fux, a Primeira Turma absolveu as pessoas responsáveis pela distribuição das diárias por considerar que não houve prova de má-fé ou acréscimo patrimonial, ocorrendo apenas mera irregularidade administrativa. Somente o beneficiário direto que recebeu as diárias para participar de evento ao qual não compareceu é que foi obrigado a ressarcir o dano aos cofres públicos e a pagar multa.

Um ato que isoladamente não configura improbidade administrativa, quando combinado com outros, pode caracterizar a conduta ilícita, conforme entendimento da Segunda Turma. A hipótese ocorreu com um prefeito que realizou licitação em modalidade inadequada, afinal vencida por empresa que tinha sua filha como sócia.

Segundo o ministro Mauro Campbell, relator do REsp 1.245.765, a participação da filha do prefeito em quadro societário de empresa vencedora de licitação, isoladamente, não constituiu ato de improbidade administrativa. A jurisprudência também não enquadra na LIA uma inadequação em licitação, por si só. “O que se observa são vários elementos que, soltos, de per si, não configurariam, em tese, improbidade administrativa, mas que, somados, formam um panorama configurador de desconsideração do princípio da legalidade e da moralidade administrativa, atraindo a incidência do artigo 11 da Lei 8.429”, afirmou Campbell.

Concurso público

A contratação de servidor sem concurso público pode ou não ser enquadrada como improbidade administrativa. Depende do elemento subjetivo. Em uma ação civil pública, o Ministério Público de São Paulo pediu a condenação, com base na LIA, de diversos vereadores que aprovaram lei municipal permitindo a contratação de guardas municipais sem concurso. Negado em primeiro grau, o pedido foi acatado pelo tribunal local. Os vereadores recorreram ao STJ (REsp 1.165.505).

A relatora do recurso, ministra Eliana Calmon, entendeu que não houve dolo genérico dos vereadores, que tiveram inclusive a cautela de buscar parecer de jurista para fundamentar o ato legislativo. Por falta do necessário elemento subjetivo, a Segunda Turma afastou as penalidades de improbidade. A decisão do STJ restabeleceu a sentença, que anulou o convênio para contratação de pessoal depois que a lei municipal foi declarada inconstitucional.

Em outro processo sobre contratação irregular de pessoal sem concurso público, o STJ entendeu que era caso de improbidade administrativa. No REsp 1.005.801, um prefeito contestou sua condenação com base na LIA por ter permitido livremente a contratação sem concurso, e sem respaldo em qualquer lei. Segundo o acórdão, a conduta do prefeito contrariou os princípios da moralidade, da impessoalidade e da legalidade.

O relator, ministro Castro Meira, ressaltou trecho do acórdão recorrido apontando que a contratação não teve o objetivo de atender situação excepcional ou temporária para sanar necessidade emergencial. Foi admissão irregular para desempenho de cargo permanente. Todos os ministros da Segunda Turma entenderam que, ao permitir essa situação, o prefeito violou o artigo 11 da LIA.

Quem responde

O artigo 1º da Lei 8.429 afirma que a improbidade administrativa pode ser praticada por qualquer agente público, servidor ou não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de empresa incorporada ao patrimônio público, entre outras.

O artigo 2º define que agente público é “todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função” nas entidades mencionadas no artigo 1º.

O artigo 3º estabelece que as disposições da lei são aplicáveis também a quem, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

A dúvida restou quanto à aplicação da lei aos agentes políticos, que são o presidente da República, ministros de Estado, governadores, secretários, prefeitos, parlamentares e outros. O marco da jurisprudência do STJ é o julgamento da reclamação 2.790, ocorrido em dezembro de 2009.

Seguindo o voto do ministro Teori Zavascki, relator da reclamação, a Corte Especial decidiu que, “excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo presidente da República, cujo julgamento se dá em regime especial pelo Senado Federal, não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade”.

Na mesma decisão e no julgamento da reclamação 2.115, também da relatoria de Zavascki, a Corte estabeleceu que a prerrogativa de foro assegurada pela Constituição Federal em ações penais se aplica às ações de improbidade administrativa. Por essa razão, no julgamento do agravo regimental no agravo de instrumento 1.404.254, a Primeira Turma remeteu ao Supremo Tribunal Federal os autos de ação de improbidade contra um ex-governador que foi diplomado deputado federal.

Ainda com base nessa jurisprudência, a Segunda Turma deu provimento ao REsp 1.133.522 para determinar a continuidade de uma ação civil pública de improbidade administrativa contra juiz acusado de participar de esquema secreto de interceptações telefônicas.

Quanto à propositura da ação, o STJ entende que o Ministério Público tem legitimidade para ajuizar demanda com o intuito de combater a prática de improbidade administrativa (REsp 1.219.706).

Independência entre as esferas

De acordo com a jurisprudência do STJ, a LIA não deve ser aplicada para punir meras irregularidades administrativas ou transgressões disciplinares. Ela tem o objetivo de resguardar os princípios da administração pública sob o prisma do combate à corrupção, à imoralidade qualificada e à grave desonestidade funcional.

No julgamento de agravo no REsp 1.245.622, o ministro Humberto Martins afirmou que a aplicação da LIA “deve ser feita com cautela, evitando-se a imposição de sanções em face de erros toleráveis e meras irregularidades”. Seguindo esse entendimento, a Primeira Turma não considerou como improbidade a cumulação de cargos públicos com a efetiva prestação do serviço, por valor irrisório pago a profissional de boa-fé.

Mesmo nos casos de má-fé, nem sempre a LIA deve ser aplicada. Foi o que decidiu a Primeira Turma no julgamento do REsp 1.115.195. O Ministério Público queria que o transporte e ocultação de armas de fogo de uso restrito e sem registro por policiais civis fossem enquadrados como improbidade.

O relator, ministro Arnaldo Esteves Lima, explicou que, apesar da evidente violação ao princípio da legalidade, a conduta não é ato de improbidade. “Assim fosse, todo tipo penal praticado contra a administração pública, invariavelmente, acarretaria ofensa à probidade administrativa”, afirmou o ministro.

Aplicação de penas

As penas por improbidade administrativa estão definidas no artigo 12 da LIA: ressarcimento aos cofres públicos (se houver), perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa civil e proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios e incentivos fiscais ou creditícios.

De acordo com a jurisprudência do STJ, essas penas não são necessariamente aplicadas de forma cumulativa. Cabe ao magistrado dosar as sanções de acordo com a natureza, gravidade e conseqüências do ato ímprobo. É indispensável, sob pena de nulidade, a indicação das razões para a aplicação de cada uma delas, levando em consideração os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade (REsp 658.389).

As duas Turmas especializadas em direito público já consolidaram a tese de que, uma vez caracterizado o prejuízo ao erário, o ressarcimento é obrigatório e não pode ser considerado propriamente uma sanção, mas conseqüência imediata e necessária do ato combatido.

Desta forma, o agente condenado por improbidade administrativa com base no artigo 10 (dano ao erário) deve, obrigatoriamente, ressarcir os cofres públicos exatamente na extensão do prejuízo causado e, concomitantemente, deve sofrer alguma das sanções previstas no artigo 12.

No julgamento do REsp 622.234, o ministro Mauro Campbell Marques explicou que, nos casos de improbidade administrativa, existem duas consequências de cunho pecuniário, que são a multa civil e o ressarcimento. “A primeira vai cumprir o papel de verdadeiramente sancionar o agente ímprobo, enquanto o segundo vai cumprir a missão de caucionar o rombo consumado em desfavor do erário”, esclareceu Marques.
 
Fonte:
STJ
 

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Coisas, coisinhas e coisonas








A presunção da inocência autoriza-nos a afirmar que ninguém pode ser considerado ímprobo enquanto não concluído regular processamento, em que lhe seja assegurada ampla defesa. Corolário disso, é considerá-lo assim por sugestão ou por alguma conduta que lhe enquadre. Vejamos.

Fatos que isoladamente não configuram ato de improbidade administrativa podem, ao serem somados, caracterizar a violação aos princípios da legalidade e da moralidade administrativa, atraindo a incidência do artigo 11 da Lei 8.429/92. A decisão é da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

A tese foi discutida no julgamento de um recurso especial do Ministério Público, autor de ação civil pública por ato de improbidade administrativa contra José Irineu Rodrigues, ex-prefeito de Carvalhópolis (MG). Ele teria contratado ilegalmente um posto de combustível que tem a sua filha como sócia-gerente.

Os magistrados mineiros afastaram a ocorrência de improbidade administrativa porque a contratação foi precedida de licitação, ainda que em modalidade inadequada. Além disso, eles consideraram que não houve prejuízo ao erário nem comprovação de dolo ou má-fé.

Primeiramente, o relator do recurso, ministro Mauro Campbell Marques, destacou que, segundo a jurisprudência do STJ, não é preciso caracterizar dano aos cofres públicos ou enriquecimento ilícito para que um ato seja enquadrado como improbidade administrativa.

Marques afirmou que o simples fato de a filha do prefeito integrar o quadro societário de uma das empresas vencedoras da licitação realmente não constitui ato de improbidade administrativa. Contudo, ele observou que essa relação de parentesco não é um dado isolado no caso. Perícia demonstrou que a modalidade de licitação escolhida (carta-convite) era inadequada para a contratação pretendida, em razão do valor do objeto licitado.

O relator concluiu que a participação da filha do prefeito em uma sociedade contratada pela administração com base em licitação inadequada, por vício na escolha da modalidade, é circunstância objetiva que induz à configuração do elemento subjetivo doloso, resultando em improbidade administrativa.

Marques esclareceu que, analisando a versão dos fatos mais favorável aos réus, observou a existência de vários elementos que, de forma isolada, não configurariam improbidade administrativa. Contudo, quando esses elementos são somados, a improbidade mostra-se presente.

“No esforço de desenhar o elemento subjetivo da conduta, os aplicadores da Lei 8.429/92 podem e devem guardar atenção às circunstâncias objetivas do caso concreto porque, sem qualquer sombra de dúvida, elas podem levar à caracterização do dolo, da má-fé”, afirmou Marques no voto.

Todos os ministros da Segunda Turma deram provimento ao recurso do Ministério Público.


Fonte:
INJUR



quarta-feira, 10 de agosto de 2011



URGENTE



Procuro desesperadamente meu filho de 3 anos desaparecido desde 21/06/2010.
Peço ajudas a todos, que, por favor, divulguem estas fotos dele na net.
Pois ele sumiu da cidade de São Carlos, interior de São Paulo.
Ele nasceu no Rio de Janeiro. Vindo com ele para minha terra natal,onde eu
jamais poderia imaginar que eu passaria por este pesadelo.
A policia não tem nenhuma informação concreta sobre seu paradeiro esta
sendo um mistério a forma de como este anjinho sumiu.
Peço encarecidamente que orem a Deus por ele.


Desde já grata a todos.

AJUDEM, POR FAVOR,
A DIVULGAR A FOTO DELE NA NET...


(11) 8687-5361  (11) 8687-5361
Laércio Garcia















quinta-feira, 28 de julho de 2011

Acumulação não é Improbidade






Questão recorrente entre os servidores públicos é a acumulação (de cargos remunerados, de cargo e proventos, de cargo e pensão e de proventos e pensão), que admite excessões desde que haja compatibilidade de horários e observem o teto remuneratório previsto na norma constitucional. Mais uma vez vez o Superior Tribunal de Justiça pronunciou-se quanto à inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa, por considerá-la infração administrativa, que tem sede disciplinar. Deve ser portanto apurada em processo disciplinar. O caso tratado é de um assessor jurídico que manteve cargos em dois municípios do Rio Grande do Sul.

O Ministério Público estadual moveu ação de improbidade para enquadrar o servidor na Lei 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), pela suposta prática de ato contrário aos princípios da administração pública.

O juiz de primeira instância entendeu que não estava caracterizado o ato de improbidade, por não haver dolo ou culpa na conduta do réu, nem prejuízo ao erário. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve a sentença. O Ministério Público interpôs Recurso Especial no STJ.

Para o relator, embora a acumulação de cargos seja proibida pela Constituição, o servidor fez rigorosamente os serviços de assessor jurídico e recebeu pouco pelas atividades, o que não gerou enriquecimento ilícito. Por essa razão, ele não poderia ser condenado por improbidade administrativa, já que também não houve dano ao erário.

Segundo o ministro Humberto Martins, a Lei 8.429 resguarda os princípios da administração pública sob o prisma do combate à corrupção, da imoralidade qualificada e da grave desonestidade funcional. Porém, não se ocupa de punir meras irregularidades administrativas ou transgressões disciplinares, as quais devem ser processadas e julgadas em foro disciplinar adequado.

O ministro observou que, na hipótese de acumulação de cargos, havendo a efetiva prestação de serviço, o valor irrisório da contraprestação paga ao profissional e a boa-fé do contratado, deve ser afastada a hipótese de enquadramento em ato de improbidade administrativa — sobretudo quando as circunstâncias do caso evidenciam a ocorrência de simples irregularidade e a inexistência de desvio ético ou inabilitação moral para a função pública. Entre outras penas, a Lei de Improbidade prevê a perda da função pública e a suspensão dos direitos políticos.

“Sabe-se que a Lei 8.429 é instrumento salutar na defesa da moralidade administrativa, porém a sua aplicação deve ser feita com cautela, evitando-se a imposição de sanções em face de erros toleráveis e meras irregularidades”, acrescentou.

Como esse entendimento já está consolidado na jurisprudência do STJ, o relator havia rejeitado o recurso em decisão monocrática, o que levou o Ministério Público a recorrer ao colegiado da 2ª Turma — onde a posição do ministro foi mantida. 


Superior Tribunal de Justiça, Resp 1245622

Fonte:
Revista Consultor Jurídico, 28 de Julho de 2011

 
 

domingo, 24 de julho de 2011

Demissão de servidor por improbidade é possível mediante processo disciplinar






O servidor público condenado em processo administrativo por ato de improbidade pode ser demitido independentemente de condenação judicial. Com essa tese, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou mandado de segurança preventivo a um servidor do Ministério da Previdência Social que corre o risco de perder o cargo por causa de uma contratação sem licitação.

De acordo com o ministro Gilson Dipp, cujo voto foi seguido pela maioria dos membros da Seção, a decisão judicial só é indispensável para a aplicação das penas de suspensão de direitos políticos, indisponibilidade de bens ou ressarcimento ao erário – previstas na Lei de Improbidade (8.429/1992), mas não no Regime Jurídico Único do funcionalismo federal, instituído pela Lei n. 8.112/1990.


O fato que poderá levar à demissão do servidor foi a contratação da empresa Vias (Instituto Virtual de Estudos Avançados), por quase R$ 20 milhões, para desenvolver projeto de pesquisa de interesse do Ministério da Previdência. A contratação ocorreu de modo direto, tendo sido a licitação declarada inexigível. Ainda no início da execução do contrato, o Tribunal de Contas da União e a Controladoria Geral da União apontaram diversas irregularidades.


Segundo os órgãos de controle, o caso não se enquadrava nas hipóteses de inexigibilidade de licitação admitidas pela Lei n. 8.666/1993, pois a competição era viável. Além disso, foram identificadas deficiências na justificativa da escolha da empresa e dos preços ajustados. A comissão encarregada de apurar as irregularidades em processo administrativo concluiu pela ocorrência de ato de improbidade e sugeriu a demissão do subsecretário de Planejamento, Orçamento e Administração do Ministério da Previdência.


Dois dos ministros que integram a Terceira Seção votaram pela concessão do mandado de segurança para que o servidor não fosse demitido em razão do processo disciplinar, sem prejuízo da possibilidade de demissão futura por conta de eventual decisão judicial (em duas ações judiciais movidas pelo Ministério Público sobre o mesmo caso, o subsecretário da Previdência não figura como réu).


Para esses ministros, o servidor só poderia perder seu cargo por improbidade se sua conduta estivesse enquadrada na Lei n. 8.429, e nesse caso, conforme determina o artigo 20, a perda da função apenas se efetivaria com o trânsito em julgado da sentença condenatória.


No entendimento do relator, ministro Napoleão Maia Filho, a partir da edição da Lei n. 8.429 não mais seria possível a demissão por improbidade mediante processo administrativo – admitida pelo artigo 132, inciso IV, da Lei n. 8.112. Para ele, a situação anterior “deixava o servidor público em completa insegurança quanto ao cometimento do ilícito denominado improbidade administrativa, dando ensejo a promoções sancionatórias que poderiam resvalar para motivações subjetivas”.


Sanções independentes


A maioria da Seção, no entanto, seguiu o voto do ministro Gilson Dipp, para quem os casos de improbidade não tratados pela Lei n. 8.429 continuam sujeitos ao estatuto dos servidores e podem ser apurados e punidos em processo administrativo disciplinar. Assim também ocorre, segundo o ministro, quando o fato se enquadra na Lei de Improbidade mas, pela sua importância, não justifica as outras penalidades previstas por ela, além da demissão.


A Lei n. 8.429 trata dos atos de improbidade que impliquem enriquecimento ilícito (artigo 9º), lesão ao erário (artigo 10) ou ofensa aos princípios da administração (artigo 11), prevendo as penas de demissão, suspensão de direitos políticos, indisponibilidade de bens ou ressarcimento ao erário, “independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica”.


“Quando as infrações disciplinares alcançam potencial de improbidade compatível (isto é, quando sujeitas à pena de demissão, suspensão de direitos políticos, indisponibilidade de bens ou ressarcimento ao erário), podem ser objeto de processo e aplicação das penas previstas na Lei de Improbidade tanto como na lei funcional, mas para a aplicação das penas de suspensão de direitos políticos, indisponibilidade de bens ou ressarcimento ao erário, porque não há previsão na lei funcional, só se procederá judicialmente”, afirmou Gilson Dipp.


“Assim”, acrescentou o ministro, “quando se pretende a caracterização de ato de improbidade previsto nos artigos 9º, 10 e 11 da Lei n. 8.429 e se pretende a aplicação das penalidades ali previstas além da demissão, a investigação deve ser judicial. Ao contrário, se a improbidade é de menor importância que não resulte na penalização da Lei de Improbidade ou não constitua improbidade contra a administração ou o erário, a pena administrativa, inclusive de demissão, poderá ser imposta em processo administrativo”.


Para o ministro Dipp, o fato de a lei do funcionalismo também estabelecer que o ato de improbidade é causa para demissão não significa que as punições tenham a mesma natureza. “A infração disciplinar e o ato de improbidade legalmente submetem-se cada qual a regime peculiar, e sobretudo, por essa mesma razão, não se excluem”, disse ele.


“É possível admitir que uma infração disciplinar possa ser reconhecida como ato de improbidade e sujeitar-se ao processo judicial correspondente, assim como reconhecê-la como crime e sujeitá-la à ação penal, sem que, por uma ou outra circunstância, seja inviabilizada a autonomia da investigação administrativa disciplinar”, concluiu.


Gilson Dipp lembrou que a Constituição admite a perda do cargo do servidor nas hipóteses de sentença transitada em julgado e de processo administrativo em que seja garantido o direito de defesa. Segundo ele, “o entendimento de que as infrações disciplinares de improbidade, em qualquer caso, estariam sujeitas à ação judicial implica manifesta desatenção ao texto constitucional e aniquilação do poder de autotutela da administração, com sério reflexo na autonomia administrativa do Poder Executivo”.




Fonte:
Notícia publicada pelo Superior Tribunal de Justiça aos 06/07/2011
MS 15054

A coisa é séria








"Para ficar preso tem que cometer um ‘crimão’. Ou seja, precisa ser crime que a pena máxima seja superior a quatro anos, portanto, quem tentar estuprar, tentar matar, tentar roubar, esteja ciente que se for primário e de bons antecedentes não vai ser preso preventivamente."

 
Entrevistado: EDILSON MOUGENOT BONFIM

Profissão: 

Membro do Ministério Público de São Paulo desde janeiro de 1988. Atuou perante o 1o Tribunal do Júri de São Paulo desde 1992 até ser promovido a Procurador de Justiça. Doutor em Direito Processual Penal pela Universidade Complutense de Madri-Espanha. Professor de Direito Penal e Processo Penal e das Escolas de Magistratura e do Ministério Público. Doutrinador, autor de diversas obras, dentre as quais "Curso de Processo Penal" (Editora Saraiva). Foi o promotor de justiça no caso que culminou com a condenação do serial-killer Francisco de Assis Pereira, o Maníaco do Parque.


Procurador de Justiça Edison Mougenot Bonfim
Foto: Fato Notório
FATO NOTÓRIO: A “PEC dos Recursos” trará celeridade processual ou, por outro lado, será uma ameaça ao devido processo legal?

EDILSON MOUGENOT BONFIM: Eu precisaria me debruçar um pouco mais sobre o tema com o peso de uma declaração pública sempre traz. Em vez de responder diretamente, vou responder com uma preocupação que tenho: em 1992, o então ministro da Justiça Célio Borja convocou a primeira comissão para a reforma da legislação penal para a celeridade e o fim da impunidade, eu aplaudi, imaginando que viriam medidas neste sentido.
Não obstante, as últimas leis aprovadas fizeram exatamente o contrário. Trouxeram mais recursos ou mais formas de protelar a prestação jurisdicional. Definitivamente, se a impunidade não ficou mais fácil, veio pelo menos numa forma disfarçada que é uma quase pena, como se dá através dos acordos onde se rompem até com os dogmas da culpabilidade, possibilitando fazer de conta que quase se puna alguém que a gente não sabe se é culpado ou inocente.


FATO NOTÓRIO: A presidente Dilma Rousseff mandou à publicação a Lei 12.403/2011, que traz alterações em relação à prisão preventiva. Qual sua avaliação sobre as mudanças?

EDILSON MOUGENOT BONFIM: Vai esvaziar bem as prisões, vai impedir novas prisões e vai produzir alguns crimes que pertencem as chamadas ‘cifras negras da criminalidade’. E quais são estas cifras negras? Aqueles que existem, mas não sabemos que ocorrem.
Quando o juiz deixar de prender alguém preventivamente, que até então ele prenderia, mas agora a lei impede, é muito possível que esta pessoa perigosa que legitimasse a prisão à luz da lei velha, venha colocar em risco a ordem pública e a instrução criminal. Cometerá crimes, portanto.
Mas, nós não conseguiremos fazer um juízo de conexão tão claro como nós gostaríamos. Que quando couber uma análise desta lei, provavelmente nós já teremos uma nova lei em pauta no futuro e ninguém terá se debruçado sobre o tema. E mostrar que esta lei poderá acarretar, inclusive, mais criminalidade.
É verdade: ela poderá esvaziar um pouco as prisões. Mas, eu pergunto: as pessoas que estão presas não mereceriam estar presas? Ou não estariam presas se tivessem cometidos esses mesmos crimes na França, nos EUA, na Inglaterra, na Alemanha, na Espanha, em países civilizados? Ou nós brasileiros estamos flexibilizando demais o direito do acusado a ponto dele não pagar por crimes graves?
Tentativa de estupro, tentativa de roubo, tentativa de homicídio. Proibir o juiz de decretar a prisão preventiva para mim é quase um crime. O juiz deveria ter o direito diante do caso concreto para poder decretar. É o juiz que sabe, naquele caso concreto, que aquelas pessoas colocam em risco a ordem pública ou a instrução criminal.
Mas o legislador de antemão já disse: ‘não pode’. Então eu não sei quem vai pagar esta conta no futuro. Mas que nós vamos ter no país do samba, samba jurídico, isso nós teremos.


FATO NOTÓRIO: Não é segredo que o sistema carcerário brasileiro está falido. Não é utopia demais ou excesso legislativo inserir no texto da lei a separação de presos provisórios de presos condenados?

EDILSON MOUGENOT BONFIM: Eu não diria que o sistema é falido, eu diria que ele vive sob uma antiga concordata, numa ameaça de falência.
Quando os móveis dentro de uma casa não estão bem dispostos, estão bagunçados, a solução não é abrir a janela da casa e jogar os móveis fora. É buscar uma solução porque a casa precisa dos móveis. Como a sociedade precisa de escolas, de hospitais, infelizmente, a prisão é um mal necessário do qual não podemos abrir mão.
Existem situações que nem a família do réu não quer que ele fique solto. Não obstante hoje, do jeito que está, nem a família do réu pedindo, o juiz poderá prender. Se ele prender em determinadas situações, como diz o legislador, cometerá o juiz um crime.


FATO NOTÓRIO: O fato da vítima ter que representar o autor da violência doméstica não tira o aspecto teleológico da legislação?

EDILSON MOUGENOT BONFIM: É um elemento dissuasório para que a vítima se acomode depois. Nós deveríamos facilitar o acesso da vítima à justiça e não criar óbice, obstáculos para a prestação jurisdicional. Senão ela sofre a violência duas vezes.
Uma, a violência em si que legitima a punição; outra, ter que mobilizar uma energia grande, que são os deslocamentos frequentes.
No futuro, imagino eu, não deverão ter tantos ônus às vítimas. Vítimas que tiverem computador em casa, meios de comunicação, poderão, sem grandes sacrifícios, de casa mesmo, pedir uma punição, uma justiça. É uma questão de futuro.
O Brasil em muitas coisas já caminha com os pés na Lua, mas em outras ainda está com a cabeça na época das cavernas. Não sei se na média anda bem.


FATO NOTÓRIO: Alguns tribunais têm aplicado a lei para casais homoafetivos. A decisão está acertada?

EDILSON MOUGENOT BONFIM: Caberia aí mais uma reflexão, porque a definição da família, da condição de adoção, estão em ebulição no Brasil recente.
Eu não gosto, não sou do tipo de autor, que em cada edição muda a posição jurídica da edição anterior. Eu tenho uma tendência de manter uma certa coerência. Não é que seja imutável. É que quando eu dou as opiniões, eu gosto de que elas estejam suficientemente amadurecidas. Então, se deveria se editar nova lei ou se aplicar a própria Lei Maria da Penha, eu gostaria de refletir um pouco mais para dar mais do que um palpite. Dar uma opinião pouco mais qualificada que não viesse somente do argumento de autoridade, porque sou um doutrinador.


FATO NOTÓRIO: A Lei de Execuções Penais e as atuais regras de progressão de regime devem ser revistas?

EDILSON MOUGENOT BONFIM: De saída, o legislador no passado recente, faz poucos anos, cometeu uma barbaridade. Ele suprimiu o exame criminológico para o réu que fosse colocado em livramento condicional ou fosse progredir de regime, o chamado elemento subjetivo, que era avaliado mediante perícia. Ele suprimiu isso.
Ora, só no argumento do elemento objetivo, observando o comportamento de um carcereiro na prisão é muito pouco. Precisaria passar por um balizamento técnico jus-psiquiátrico, para saber se ele tinha condições de fato para progredir de regime.
Se a Lei de Execuções Penais, que já era uma lei suíça demais para o Brasil, hoje ela ficou mais suíça do que a lei suíça. Que nem exame criminológico não se pede mais para o réu, atendendo somente a um requisito objetivo. Aí abre a porta do cárcere e solta o cidadão que não está nem ressocializado e nem pagou a pena na sua integralidade. E faça-se o nome do pai e seja o que Deus quiser.


FATO NOTÓRIO: A transação penal e a suspensão condicional do processo não acabam colaborando com a reincidência criminal e, consequentemente, com a criminalidade?

EDILSON MOUGENOT BONFIM: Sim e não. Sim para aqueles que de fato reincidem; e não para aqueles para os quais a lei foi bem aplicada. A questão está na mão e no critério dos juízes.
O meu receio com os chamados acordos é que vamos ter que começar a colocar para os penalistas e para os processualistas penais nos concursos públicos e nos Exames da OAB, muito mais comércio.
Não, direito comercial. Habilidade de negociar, porque hoje a justiça não está mais vinculada a Têmis, a deusa da justiça, mas a Hermes, o deus do comércio.
Está terminando tudo em barganha. O que era antes na justiça trabalhista, está virando o direito penal. Se o promotor e o advogado forem bons barganhadores, como se pechincham os tapetes na Feira de Istambul, pode ser que se possa fazer uma boa justiça. Senão, quem for mais hábil no argumento comercial poderá levar vantagem, não necessariamente será a justiça.


FATO NOTÓRIO: Há três anos houve modificações no Código de Processo Penal, como, por exemplo, a extinção do direito a novo júri em caso de condenação superior a 20 anos. A decisão foi acertada?

EDILSON MOUGENOT BONFIM: A questão do fim do protesto por novo júri na prática já existia. Como o juiz fazia? Em vez de dar 20 anos, dava 19 anos e seis meses, então eram poucos os protestos por novos júris que haviam. Foi um avanço isso, só que demos um passo para frente e uns cinco para trás.
Se criou um artigo único que não existe em legislação nenhuma do mundo, que é depois de processar o réu, depois de tributar a ele um crime, depois de acusá-lo, em vez de perguntar se ele é culpado ou se ele é culpado ou inocente, convida o jurado a absolvê-lo.
A pergunta que o novo legislador faz ‘o jurado absolve o réu?’ A pergunta é ao contrário: ‘ele é culpado?’ Ele é culpado ou inocente? Não, o jurado absolve. É um convite para a absolvição.
Depois, a mudança da réplica e da tréplica. Antes era meia hora para cada um; agora é uma hora para cada um. O legislador quis ser diferente. Antes eram duas horas para sustentar o libelo e duas horas para o advogado defender. Depois, a réplica de meia hora.
Conservou o mesmo tempo, mas o que foi feito? Passou uma navalha nas duas horas iniciais, ficou uma hora e meia, querendo ser diferente o legislador. Em vez de deixar a réplica com cara de réplica; não, deixou com cara de outra sustentação, que em vez de ser meia hora passou a ser uma hora, é um outro discurso. Então, o júri perdeu as características.
No processo comum, o legislador conseguiu fazer uma enormidade! Para mim, é de uma inteligência negativa colocar o interrogatório como último ato da instrução processual. Eu nunca vi isso para crime importante. É você deixar o réu assistir toda a prova que foi feita para ele e deixar ele com a munição de três versões: as versões “A”, “B” e “C” no bolso dele. Se as testemunhas falarem uma coisa, eu uso a “A”, a “B” ou a “C”.
Talento advocatício eu sempre aplaudi, mas eu nunca imaginei que o legislador fosse criar uma facilidade que vai acabar mal até para a advocacia criminal. Estão abrindo tanto as portas do cárcere, que daqui a pouco não vão mais pagar como merece um advogado criminal, pois ninguém vai ter mais medo da lei penal.
Está virando direito negocial, está virando punição de faz de conta: “pegou quatro anos, mas regime aberto”, “pegou dois anos, mas, é sursis”, “suspendeu-se o processo”.
Preso, preso mesmo, precisa cometer crime com vigor e para ficar preso, como eu brinco, tem que ter pistolão. Porque senão, o cara sai, não fica preso não. “Ah, doutor, mas eu conheço um caso...” Levemos para o Jornal Nacional ou para o Fantástico, que é quase fantástico.
Para ficar preso mesmo são, de regra, crimes que nós chamávamos de hediondos, que a vítima continua chamando. Mas, muita gente muito apegada, com medo das palavras, achava que a lei que era hedionda e não o crime. Veja você, como o jogo de palavras pode alterar coisas substancialmente diversas. Eu sempre imaginei que o crime fosse hediondo. A lei pode ser mal feita, hedionda não pode ser.


FATO NOTÓRIO: O STF tem decidido que os advogados devem permanecer presos em casa, caso não existam locais equiparados com “Salas do Estado-Maior”. Qual sua opinião sobre a questão?

EDILSON MOUGENOT BONFIM: O legislador agora certamente se esquivou. Esta reforma que nós tivemos, que estabelece medidas cautelares alternativas à prisão, a grande discussão não foi feita: a extinção da prisão especial.
E não se extingiu por quê? Porque quem tem privilégio não quer perder. Eu confesso uma vez mais que eu tenho muita dúvida se um juiz, um promotor, um delegado, vamos lá, um advogado, poderia abrir mão da prisão especial. São pessoas que lidam com algo que é violento por natureza. E para você dizer: “ah tem privilégio”. É a natureza da função, você pode ensejar uma violação de um direito fundamental sem reparo depois. Isso não quer dizer que eu esteja fazendo, brandindo a arma do status quo que foi mantido.
Só estou dizendo que não pode ir no argumento popularesco que todas as funções sociais são iguais. Todos os seres humanos morrem igualmente, mas algumas funções expõem as pessoas a mais riscos. Não fosse isso, não haveria adicional de insalubridade no direito trabalhista, não fosse isso não haveria respeito para quem trabalha em minas, em situações adversas.
Então a natureza da nossa função nos expõem a determinadas condições, que pensa o legislador, deve trazer não uma regalia, mas uma garantia. Portanto, o advogado pertencendo à categoria dos operadores jurídicos, talvez esteja a merecer uma prisão especial até o trânsito em julgado da sentença. Eu não vejo distinção entre advogados, juízes, promotores e delegados.
A questão é deter nível superior, aí sim a discussão se alarga, porque aí as condições não são as mesmas. Se qualquer um detém curso de nível superior. É que como a lei agora: proíbe a preventiva a quem tenha criança de até seis anos de idade e seja importante para a criação desta criança. Eu, por exemplo, me julgo importante, se eu tivesse um problema, para a criação de qualquer criança do mundo, não só do Brasil, até seis anos de idade. Se a criança me conhecesse, em três tempos ela ia reputar que eu daria bons conselhos para ela, logo, eu seria importante.
Eu volto a insistir: para ficar preso tem que cometer um ‘crimão’. Não é qualquer crime, é um crime grande. Crime anão não cabe prisão preventiva. Ou seja, precisa ser crime que a pena máxima seja superior a quatro anos, portanto, quem tentar estuprar, tentar matar, tentar roubar, esteja ciente que se for primário e de bons antecedentes não vai ser preso preventivamente.


FATO NOTÓRIO: A tragédia da Escola Municipal Tasso da Silveira trouxe à tona a discussão sobre a tipificação do bullying e o desarmamento. O que o senhor pensa sobre estes dois temas?

EDILSON MOUGENOT BONFIM: A tipificação do bullying precisam me explicar melhor isto, porque o bullying é praticado entre crianças. Eu não sei como vai tipificar crime para menor de 18 anos, mas se alguém me explicar eu vou até ficar sensível a isso.
Tem coisas que o brasileiro se supera na inteligência. Uma vez eu li um artigo que tratava do crime do clone. Ora, nunca inventaram um clone humano, mas estavam discutindo se um clone praticasse um crime quem responderia: o original ou o clone?
Tipificar o bullying, pela Constituição menor de 18 não pratica crime. Como que vai tipificar crime para menor de 18 anos? Eu não sei como. A não ser que haja bullying como o senador Requião falou: bullying de senador. A imprensa cometendo crime de bullying contra outro adulto, um senador. É a primeira vez que vejo isso, para minha surpresa. Se eu não tiver outra expressão para dizer, fico surpreso.
A questão de Realengo mostra primeiro que não existe segurança no país, isto é claro. É a maior constatação. Eu não sei se a forma de acabar com a insegurança é fazer lei mais frouxa, me parece que não. Não sei se quando a pessoa está morrendo envenenada, se der mais veneno para ela, morre mais rápido ou se salva. Me parece que não.
A falta de segurança está patente. Uma das causas da insegurança é a falta de punição, a impunidade. Está vindo mais impunidade pelas reformas legislativas. Isso eu critico não é como procurador de justiça, eu tenho um advogado fortíssimo dentro de mim, que não aceita injustiças.
O advogado bom é aquele que busca o lado correto. Nós não podemos jamais imaginar que o promotor é só o acusador e que o advogado criminalista só quer absolvição. Isto são deformações profissionais, o bom profissional ele é antes de tudo um cidadão. E quem tem um pacto com a cidadania, pensa grande, não pensa só no seu umbigo.
O que eu quero dizer, é que esta legislação eu não aplaudo, eu critico. E aceitaria o debate em qualquer instância jurídica, doutrinária e no Congresso, a nível político, intelectual, doutrinário, que eu não compactuo porque ela não encontra precedente nem no espaço e nem na história. Ela foi feita para, como se dizia, encantar o burguês.
Se nós decodificarmos o que está nesta legislação, eu diria é um “bombonzinho envenenado”: por fora tem aparência de doce, mas por dentro tem veneno para a sociedade.


FATO NOTÓRIO: É difícil para o membro do Ministério Público, titular da ação penal, reconhecer que o réu não é responsável pela acusação que lhe é imputada?

EDILSON MOUGENOT BONFIM: A resposta é dupla. Aí eu vou dar a resposta com a experiência de quem trabalhou muitos anos com isso: não é difícil para o membro do Ministério Público pedir a absolvição, eu pedi inúmeras absolvições. Eu pedi inúmeras absolvições não na certeza de que o réu era inocente, havia uma dúvida invencível, não uma dúvida boba, que me levava naquele estado de dúvida “em dubio pro reo”, eu não poderia pedir a condenação de quem eu estava em dúvida.
Eu nunca vi um caso de um réu fosse processado e no final se descobrisse que não era ele. Em vinte anos de Ministério Público, eu nunca vi. E nunca ninguém chegou correndo de microfone na mão dizendo que fiz uma injustiça ou que algum colega tivesse feito, nunca. Isso é caso poético, de novela, de televisão.
Na prática, não. Se o cidadão passou pela peneira da investigação policial, passou pelo crivo do Ministério Público, que deu denúncia, que foi levado a julgamento, a chance de ser ele é grandíssima. É enorme.
Quando existe um pedido de absolvição é que existe um estado de dúvida. Não estado de certeza de inocência. Tanto que você vê as estatísticas nos fóruns que os juízes não absolvem corriqueiramente naquele inciso que diz ‘não estar provado que tenha ocorrido o crime’ ou ‘que não foi o réu’. Absolvem por insuficiência de prova, ou seja, que tem dúvida se foi ele.
Respondendo: é difícil para o promotor pedir absolvição? Não, se ele estiver em dúvida, qualquer promotor com a mínima de consciência, os promotores o são, pedem a absolvição. É difícil o promotor pedir a absolvição de quem ele tem a certeza de que é inocente? É difícil porque estes casos são raros.


FATO NOTÓRIO: Feridas: os casos de Leonardo Bandarra, Deborah Guerner e do promotor Thales Ferri mancham a instituição “Ministério Público”?

EDILSON MOUGENOT BONFIM: A única ferida que tem aí, mesmo real, foi de um rapaz sofreu um ferimento mortal provocado por um promotor, isso sim uma ferida, porque diz a unanimidade do Tribunal de Justiça de São Paulo que este rapaz foi para atacar não um promotor, mas um cidadão.
Seja ele promotor, advogado, juiz, pecador, virtuoso, padre, bispo de Brasília, bispo em visita ao Brasil, a Constituição não diferencia. Se agiu em legitima defesa, ele não pode ser punido. Há uma causa excludente e o Tribunal de Justiça de São Paulo, na unanimidade de seus desembargadores, disse que o promotor, neste caso, coincidentemente o promotor, era inocente.
Este promotor sofreu, nem o conheço pessoalmente, o que nenhum outro cidadão brasileiro sofreria, porque deu um azar desgraçado de na primeira juventude dele ter sido aprovado no concurso do Ministério Público. Ele apanhou por ser promotor. Se ele não fosse promotor, o ato dele seria arquivado in limine. Porque em casos muito piores, os promotores arquivam e pedem absolvição, neste caso caiu o dramático rigor em cima deste jovem porque ele era promotor.
Qual o tamanho deste promotor? Muito pequeno, baixa estatura. E quem eram as vítimas? Um metro e noventa e oito, um metro e noventa e seis, uma turma grande e violenta, provado nos autos.
E aquilo que a natureza criou desigual, um grandão e um pequenininho, só um “38” ou uma pistola para igualar. Portanto, este promotor estava armado, como poderia qualquer outra pessoa poderia estar, que o Estado deu e reconheceu o porte de arma. Sob o crivo legal, está absoluta e justamente explicada a conduta dele.
Deste caso eu falo porque é a última palavra do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Do caso de Brasília, eu nado falo porque nada sei. Não é meu estado. E não acompanhei a prova e ainda está sub judice e como eu respeito a previsão constitucional do devido processo legal, da presunção do estado de inocência, eu dou aos acusados o direito de defesa. E se deverem, que paguem na máxima expressão da pena na medida de sua culpabilidade. Se não deverem, que sejam indenizados. E a quem de direito, se faça o julgamento. Eu espero que tenham consciência os julgadores, que façam a melhor justiça.
Tão maior será a culpabilidade se houver crime praticado por colarinho branco, este não tem a desculpa da miséria. Portanto, se erraram, que paguem até a última moeda.


FATO NOTÓRIO: O que ainda é urgente ser revisto no Código de Processo Penal?

EDILSON MOUGENOT BONFIM: No CPP, pouca coisa. Precisa rever nossa consciência. A lei está boa, a lei não está mal, a lei é de primeiro mundo. Quem bota defeito na lei, está abusando da ignorância alheia. Porque sempre traz um argumentinho que lá no Canadá é assim, lá na Alemanha é assim.
Na Alemanha tem prisão perpétua, no Canadá tem um homicídio a cada seis meses. Lá na França? Na França o cidadão pode se sujeitar a prisão perpétua no primeiro homicídio. Ah, lá na Inglaterra é assim! Na Inglaterra pode punir com até 13 anos de idade, como nos Estados Unidos.
Quando as pessoas trazem estes argumentos que tem que ser assim ou assado, invocando doutrina alienígena, primeiro ele abusa de nossa ignorância. Traz um exemplinho de bolso de colete, que sempre vem em arrimo do que ele quer defender.
Se for para transplantar a legislação de outro país, tem que trazer por inteiro e não é fazer o frankstein que nós estamos fazendo. Traz toda a legislação americana que tem inclusive prisão perpétua e pena de morte. Traz a legislação americana que prevê a possibilidade de punir garotos e adolescentes que são extremamente perigosos.
Não dá para você pegar o bonzinho de cada legislação e fazer uma lei penal cinderela no Brasil. Ela pode ficar bonitinha, ter tranças amarelas, pode ser poética no momento da feitura, mas triste pela criminalidade que ela poderá aportar.
O que temos que fazer? Interpretar bem a lei que está aí. Temos um voluntarismo grande do judiciário, da advocacia, dos promotores, eu vejo com bons olhos. Apesar de todas as críticas, eu acho que nós estamos apanhando e lutando um bom combate da democracia. O preço que nós pagamos pela democracia é isso, é assistir algumas barbaridades, mas muita dialética e muita discussão.
O futuro há de ser melhor do que esse que nós assistimos hoje. Eu sempre acredito no futuro, ainda quero estar vivo para assistir que o Brasil vai ser melhor. E vai ser melhor quando? Quando tiver menos criminalidade, não é fazer o povo mais rico, não. Porque se fizer o povo mais rico, mas matar de morte matada, o povo ainda é pobre.


FATO NOTÓRIO: Um ministro do STF já disse que não julga processos pelas capas e, sim, pelo conteúdo. O senhor crê que todos têm acesso igualitário à justiça, bons advogados, recursos, etc?

EDILSON MOUGENOT BONFIM: Evidente que nem todos tem o mesmo acesso à justiça, como nem todos tem acesso à mesma escola, ao mesmo hospital, como nem todos tem o mesmo acesso pela natureza a mesma inteligência.
Significa que a natureza é a primeira cretina que nós inventamos. Se inventou que a natureza faz uma pessoa brilhante e outra com déficit de inteligência. A natureza faz uma pessoa com nariz de três metros e outra com nariz perfeito. A natureza faz uma Gisele Bündchen e outro que já nasce tristemente, fisicamente, mal feito do nascedouro.
Aí vem a cultura depois com as suas deformações.
O único lugar do mundo que se quis igualar tudo foi um fiasco monumental, foi o comunismo soviético. No afã de dar acesso a todos na medida de suas necessidades, matou milhões de pessoas em nome desse projeto. Não chegou a coisa alguma e eles próprios reviram a sua história.
O comunismo é uma mostra clara de que a tentativa máxima da igualdade é a supressão máxima da liberdade e isso pode se configurar num perigo. E qual o país que nós buscamos? Nunca que todos terão as mesmas condições de acesso, mas que nós possamos diminuir as disparidades porque um país com absoluta e sempre condições de acesso é o chamado país ideal. E o ideal não existe. No dia que o ideal existir, não existe progresso porque nós já chegaremos num ponto e quando não existe progresso, o que seria de nós o ser humano? O ser humano é uma luta constante!
Existem disparidades, sim. Nós já diminuímos bastante e vamos diminuir mais. Mas, ninguém nunca se iluda porque sempre haverá na sociedade gente com mais ou menos capacidade. Até porque a natureza não é a santa que se supõe, ela come, bebe e peca. Fez gente mais forte e mais inteligente, mais fraca e menos inteligente. Portanto, com mais ou menos acesso as mesmas possibilidades, mesmo que o Estado queira dar a mesma escola para todos. Uns aprenderão outros não. O mesmo remédio salva uns e mata outros.

Fonte:
Fato Notório